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Ce n'est pas une rédaction

  • Foto do escritor: Dai Landim
    Dai Landim
  • 18 de mai.
  • 8 min de leitura



Isto não é uma redação — são devaneios de uma mente em obras. O triplex foi construído depois de assistir uma aulas sobre a ideia de Realidade de João Francisco Duarte Junior e sobre o Pensamento Abstrato de Hegel. Agora, estou tentando reformar. 

Primeiramente tenho que admitir a dificuldade da escrita de Hegel, pois, se eu tivesse feito esta redação com base somente nas leituras tiraria zero na atidade cultural solicitada no curso que faço. E sim, isto aqui é uma redação; o trocadilho foi só para me libertar um pouco das amarras da escrita formal e acadêmica, que, por vezes, podem me travar e atrapalhar minhas reflexões mais profundas. Não que neste momento eu tenha entendido tudo com certeza, inclusive acho até que desaprendi coisas que eu achava que sabia. Mas, creio que pela dedicação ao pensamento reflexivo mereço mais que zero agora — assim, espero. 

Bem, vou respondendo umas perguntas norteadoras que me foram feitas enquanto reflito sobre minhas realidades: Eu poderia, convenientemente, dizer que a teoria do real que atravessa a minha vida é o relacionismo, principalmente pelos movimentos que dou na produção de minhas artes, na minha trajetória profissional, nas minhas relações interpessoais, etc. E também pelas concepções que crio e recrio durante a minha existência interagindo com o todo. Carrego comigo muitas visões de mundos, muitas realidades, e estou sempre em constante integração com as realidades alheias, em seus mais diversos contextos, diversos saberes, diversas culturas, entendendo-me como um indivíduo fluido, interagindo com uma sociedade em eterna transformação, deixando um tanto de mim e absorvendo um tanto do outro.

Assim vou seguindo em eterno devir, sempre aberta a entender o outro para me reiventar nele. Porém, só até a página dois. Pois, querendo ou não, ainda me agarro nas esperanças vãs de um mundo que nem me cabe. Carrego comigo minhas ideologias, meus achismos e minhas muitas verdades, ora passageiras, ora dogmáticas, que acabam me jogando no calabouço do realismo. 

Uma dessas minhas muitas verdades, por exemplo, é achar que a raiz de quase todos os nossos problemas é o sistema econômico vigente em nossa sociedade; que existe somente pela exploração do trabalho, dos desejos, da fé, em prol do acúmulo de capital na mão de um pequeno grupo que, convencionalmente, chamamos de classe dominante. E não há outra verdade para mim que não essa. Não me venha com a promessa de um paraíso nos céus, pois a “terra prometida” é aqui! Com justiça social, com redistribuição de renda, com qualidade de vida, com trabalho digno e valorizado para todos, em prol do desenvolvimento — humano, tecnológico, econômico, educacional — em prol do coletivo.

Eu ouso dizer que, se bobear, Sócrates morreu por isso: por ensinar o povo a pensar e questionar o sistema. Assim como Jesus (caso realmente tenha existido), dizendo que o camelo passaria pelo buraco da agulha, mas o rico, no céu, não iria entrar; ele deveria saber que não existe fortuna inocente. E outros que, como Gramsci, Paulo Freire e um tanto mais de gente, foram presos, mortos, exilados, por dizerem por aí exatamente o que precisa ser feito para um mundo justo e livre.

Tá vendo? Esta sou eu, mais realista que nunca. Pior que muito “crente” diante das minhas concepções materialistas históricas dialéticas. O senhor tem um tempinho para ouvir uma palavrinha de Marx?

Mas veja só que paradoxal: para uma ação potencialmente transformadora nessa saga da consciência de classe — que, em minha concepção realista, é a única verdade absoluta até agora sobre a salvação da humanidade —, eu me coloco na necessidade real de, voltando ao relacionismo, entender o outro, defender e até corroborar com a valorização das particularidades, das trocas inerentes às mais diversas relações que ocupam o nosso ato de ser gente, sujeito social. Respeitar a verdade e a realidade existente em cada história, em cada indivíduo. Reconhecer o outro enquanto sujeito de direito, dotado de liberdade e saberes para definir o próprio (co)existir.

Logo, sem muito orgulho, posso afirmar que o meu real transita entre o realismo e o relacionismo, caminhando em busca de uma certa plenitude esperançosa que, por vezes, escapa pelos meus dedos. Sim, pelos dedos mesmo, em rolagens infinitas de telas, de notícias, de informações que me tiram totalmente do eixo, já que também carrego em mim muitas competências socioemocionais a serem entendidas e controladas. E assim, me indigno tanto quando, sei lá, percebo que um milionário brinca de SimCity na vida real, colocando a gente, muitas vezes, contra a gente mesmo, com finalidades quase colonizadoras. Choro de raiva quando vejo obstruções de pautas pertinentes para a sociedade porque não é do interesse dos financiadores de campanhas dos deputados e senadores dentro de um Congresso Nacional. Sinto, no final das contas, uma vontade enorme de mandar todo mundo à merda. Pois nada muda, nada faz sentido nessa vida! E, mesmo não acreditando em porcaria nenhuma — nem em deus, nem em inferno, nem em céu, nem nada —, faço as minhas preces. Vai que… E peço gentilmente a deus que, caso exista mesmo, permita que somente me enterrem assim que meu corpo deixar de respirar. Nada de vida eterna, nada de renascer, nada de espirito ficar voltando. Quero sumir dessa realidade, não estou aguentando esta vida, não gosto deste mundo, não gosto das pessoas que controlam este mundo. Que um meteoro caia na terra e tudo exploda. Eita... será que também viro niilista quando entro no Twitter?

Bem, não vou pensar nisso agora, porque tenho que voltar ao trabalho. O IPVA está para vencer. Eu só queria dizer mesmo que sabemos bem o que é necessário para uma vivência harmoniosa aqui na terra. Entendemos que o relacionismo é um pensamento ideal. Mas, como dito em aula, é difícil. E eu busco cotidianamente embasar minhas ações em reflexões sobre diversas perspectivas do mesmo objeto, com o fim de observar/entender o outro e o todo. Digo, caso eu tenha entendido mesmo o lance do concreto e abstrato de Hegel, olhar de forma concreta para o que é plural. 

No entanto, reconheço que por muitos momentos eu já fui intolerante. Já me vesti para pensar abstratamente. Mas também já me despi desse abstrato quando as motivações alheias convergiam com minhas convicções.

Quando li o exemplo do assassino que Hegel cita no texto, minha mente foi direto para um sujeito chamado Luigi Mangione. Não me esqueço de ver o nome dele entre os mais citados em uma rede social, onde, em um primeiro momento, podíamos até achar que ele era algum influenciador digital — só se falava na beleza do "bom moço assassino".

Eu disse "bom moço" principalmente porque ele foi, naquele momento, uma representação da luta anti-sistema, que ganha o coração de qualquer realista pensando abstratamente em projeções de um mundo perfeito. Logo eu, contra a violência, estava ali, internamente admirando o "herói" revolucionário, quando, na verdade, ele poderia ser só mais um herdeiro revoltadinho, que só seria possível reconhecer olhando concretamente para os fatos.

O assassino que ficou famoso por ser bonito — ah, e também por ter assassinado um CEO de uma companhia de seguros de saúde americana — foi visto como belo por agir de maneira radical e, potencialmente, reforçar os pensamentos abstratos de qualquer realista em suas convicções dogmáticas e extremistas? Ou foi visto como belo pelo fato de as redes sociais oferecerem visões tão fragmentadas dos fatos/pessoas a ponto de inviabilizar o olhar para o todo em um pensamento concreto? Trazendo olhares abstratos somente a beleza estética isolada dos fatos que realmente o tornaram famoso.

A comparação/questionamento que faço entre o que acabo de dizer sobre Mangione e o exemplo de Hegel, é que aqueles que repudiaram o fato de um assassino ser visto como bonito mostram a integração do pensamento abstrato em sua realidade, o que inviabiliza qualquer reflexão sobre a construção daquela identidade, daquele indivíduo. Mas e as moças? Será que o viram como belo sob as perspectivas de um pensamento concreto? O vendo para além de seu ato criminoso? Ou o viram como belo por só conseguirem observar parte daquela construção — no caso, a aparência física? A ponto de impossibilitar a análise de outros fatos, como o crime cometido pelo mesmo, tornando o pensamento delas, apesar de diferente do povo, também abstrato?

O que quero dizer é que, tanto no exemplo que eu trouxe quanto no exemplo do livro, podemos traçar criativamente conjecturas que nos fazem transitar entre o concreto e o abstrato, entre o relacionismo e o realismo, tornando impossíveis conclusões ou entendimentos imediatos e absolutos.

Infelizmente, não pude acompanhar a aula ao vivo, mas, ao assistir a gravação, vi que muita gente ficava na dúvida se isso ou aquilo era realista ou relacionista. O fato que percebi, refletindo sobre isso tudo, é que, pelo menos na minha vida mediana, esses pensamentos vão e vêm. Hoje temos algumas verdades, mas elas são passageiras; amanhã teremos outras. E que sigamos assim, em movimentos e transformações cotidianas. Até porque o pintor que, conforme apresentado no Texto 1, capta as luzes, as sombras, as cores, as texturas da árvore que busca representar com tintas em uma tela, poderá sentir fome e ver nos frutos daquela árvore o seu almoço. Ou a lavadeira que vê a água como instrumento operacional de seu trabalho também poderá saciar sua sede nela.

Por isso, aceito essa minha condição "demasiadamente humana" de navegar nas contrariedades do meu eu em uma eterna combinação cíclica do aprender x desaprender para praticar o pensamento relacionista. Aceito também minha imperfeição com as práticas do pensamento abstrato. Pois eu não sou santa!

Por exemplo, durante muito tempo, torci o nariz para qualquer tipo de religiosidade. Criticava a “irracionalidade” da fé, considerando-a uma forma de estupidez coletiva. Via nos religiosos egoístas disfarçados de gratidão — alguém que agradece a deus por um prato de comida, sentindo-se escolhido, enquanto ignora os muitos que passam fome, mesmo havendo alimento suficiente para todos. Pensava que o indivíduo religioso, envaidecido por sua suposta conexão divina, prefere se ver como privilegiado a encarar de frente as injustiças sociais — muitas vezes sustentadas ou silenciadas pelos próprios sacerdotes que diziam combatê-las.

Eu era incapaz de entender as complexas relações estabelecidas através da fé, do indivíduo e seu verdadeiro eu. Me faltava grandeza também para entender, na época corrente desse meu pensamento, que a fé, para alguns, é necessária; para outros, é negócio; para outros, é esperança; para outros, é companhia, oportunidade de sociabilidade. A fé se estabelecem nas relações sociais; e precisam ser protegidas, respeitadas, ouvidas e observadas.

E, no final das contas, aquilo que eu praguejava sobre "os crentes" era mesmo crítica a um fragmento observado por mim, contextualizado em momentos revoltosos onde vi a exploração da fé alheia, vi púlpitos sendo ocupados por “bandidos”, por políticos. Então, digo que fui dominada por um pensamento preconceituoso sobre um determinado grupo, a ponto de fragmentar a realidade desse grupo para diminuir a importância da existência do mesmo, abraçando um pensamento abstrato, cercado por um realismo dogmático, que eu ousaria chamar de utópico.

 Bem, depois desta viagem maluca e honesta sobre as reflexões que fiz, articulando as maravilhosas leituras dos textos 1 e 2 com minhas realidades, posso dizer que, dado o fato de me considerar uma pessoa inacabada, no maior sentido “freiriano” da palavra, dotada de competências socioemocionais que precisam ser compreendidas e controladas, como disse anteriormente, me assumo em um movimento fluido entre realismo e racionalismo, buscando ter certezas cada vez mais efêmeras em busca do entendimento e prática integral do relacionismo em todos os aspectos da minha vida.

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Ceci n’est pas une pipe – René Magritte (1929)

Aproveito o ensejo do título do meu texto para compartilhar esta obra que sempre me questionou.

Nesta pintura icônica, Magritte retrata um cachimbo com a frase: "Isto não é um cachimbo". A imagem provoca o observador ao lembrar que, apesar de parecer um cachimbo, trata-se apenas de sua representação, não do objeto real. A obra propõe uma reflexão filosófica sobre a diferença entre realidade, imagem e linguagem, nos fazendo questionar o quanto confiamos nos signos que usamos para entender o mundo.


Os textos que usei como base para escrever estão nos links abaixos:

Cai na Real de João Francisco Duarte Junios

Quem pensa abstratamente? de Friderich Hegel


 
 
 

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